295/2023 - Vós sois Deuses

Confesso minha grande dificuldade em navegar por preces e orações de submissão e entrega. Por isso, atrevi-me a revisitar alguns conceitos abordados nesta bela prece de fé e confiança em algo superior a nós que esperamos nos carregue no colo diante das dores e das dificuldades. 

A educação religiosa que herdei sugere esta entrega total, confiante e irrestrita. Entretanto, confesso minha incapacidade de realizá-la e atrevo-me a dizer que talvez nem me sinta motivado a persegui-la como proposto.

Tendo aprendido a atribuir grande valor a mim mesmo, a sentir o peso da responsabilidade de minhas escolhas e a compreender que nossas religiões são construções humanas que tentam significar uma realidade maior, inacessível e muito complexa para nossa cognição; hoje me sinto com dificuldades para ancorar esperança e fé em qualquer discurso externo que não encontre eco em mim mesmo, em minha própria singularidade. Mas, como Jesus, uma importante referência religiosa ocidental afirmou, "Vós sois Deuses"...

Neste sentido, quero encontrar este Deus supridor e protetor em mim. Quero caminhar com a compreensão da ideia de entrega total como a permissão para vivermos o mistério, o desconhecido e o que está fora de nosso controle com liberdade e autonomia. Mas também quero carregar a certeza de que esta aventura pode ser um caminho que ajuda a aumentar a felicidade e o bem-estar.

Buscar força e ânimo renovado, neste contexto, pode significar insistir na ideia de que não sou capaz de suprir a todas as minhas necessidades olhando apenas para o contexto conhecido, para o cenário que consigo dar significado e delinear com meus conhecimentos incompletos e frequentemente equivocados.

Aceitar que a resolução dos mistérios, o fortalecimento da força e a renovação do ânimo acontecem através das relações, que muitas vezes evidenciam minhas incompletudes e questionam minha autoridade, é desafio vigoroso a exigir atenção no presente e abertura à renovação.

Buscar conforto na esperança do desconhecido e do misterioso talvez possibilite a ampliação de meus conhecimentos, a renovação da esperança e a formulação de novos conceitos que poderei usar como base para seguir em frente. Reanimado pela graça da aventura e da descoberta, desejo achar ânimo para os momentos de cansaço e exaustão.

Compreender que o esforço constante para clarificar mistérios, compreender realidades e transformar o presente é ação penosamente desgastante, mas necessária, me parece ser a chave da liberdade e do bom ânimo diante das intempéries.

Aceitar que os limites impostos por mim às relações são frágeis e muitas vezes incoerentes, uma vez que eles me resguardam do aprendizado relacional, da aventura e do mistério, talvez seja ação de estabelecimento de importantes marcos para o conceito do perdão, atitude tão difícil de praticar diante da frustração que a ação do outro me impõe.

Assim, busco confiar inteiramente nas prerrogativas que demandam que eu assuma integralmente meu papel de aventureiro no mundo. Responsabilizar-me e aceitar as adversidades como possibilidades relacionais através das quais posso crescer rumo a estágios de maior compreensão tem sido, nesta vida, valiosa diretriz para minhas práticas humanas.
 

Confesso minha grande dificuldade em navegar por preces e orações de submissão e entrega. Por isso, atrevi-me a revisitar alguns conceitos abordados nesta bela prece de fé e confiança em algo superior a nós que esperamos nos carregue no colo diante das dores e das dificuldades. 

A educação religiosa que herdei sugere esta entrega total, confiante e irrestrita. Entretanto, confesso minha incapacidade de realizá-la e atrevo-me a dizer que talvez nem me sinta motivado a persegui-la como proposto.