Se ainda temos que apontar o dedo para algumas pessoas que devem ser respeitadas e incluídas é porque estamos muito distantes do coração bondoso, terno, acolhedor e humilde da compaixão ilimitada
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muita paz
Será que devemos caminhar para a compaixão ilimitada?
Por que dirigimos nossas relações em sociedade com desrespeito e falta de inclusão?
Estas foram as duas perguntas que nasceram em meu coração, talvez por forte influência de algumas leituras recentes, entre elas "A classe média no espelho: Sua história, seus sonhos e ilusões" de Jessé Souza.
Nesta obra Jessé me convidou a pensar sobre várias óticas diferentes quando me apresentou algumas estruturas de pensamento que estão presentes em nossa sociedade, embora não sejam tão evidentes ao olhar desatento. Uma destas óticas talvez tenha dialogado com a reflexão apresentada e compartilho aqui com você.
Segundo Jessé, uma das causas da pobreza e da miséria seria a necessidade que alguns membros da sociedade possuem de ter uma referência socialmente inferior a eles, para poderem apresentar certa superioridade nas relações sociais.
Será que a insegurança de algumas pessoas em relação à sociedade poderia ser uma causa do desrespeito e da falta de inclusão? Temo que sim, uso, para tal, a categorização de uma forma de violência comum nas escolas.
A lei 13.185/2015 do governo federal define o bullying da seguinte forma: “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”.
Por trás da violência vemos sistematicamente pessoas inseguras e imaturas, muitas vezes com problemas de autoestima e vítimas de violências em suas casas, praticando o Bullying, o que nos sugere a possibilidade de diálogo com a Obra de Jessé.
Os desrespeitadores, de maneira geral, apresentam posturas relacionais distintas conforme o poder e a autoridade das pessoas com quem se relacionam. Diante dos mais fortes são submissos e/ou contidos, mas agridem os mais fracos para afirmarem-se como sujeitos através da atenção que recebem nos grupos sociais.
A figura do valentão da escola seria um exemplo caricato do que digo.
Recordo-me de um evento acontecido comigo quando estava na escola, no que seria o atual quarto ano do ensino fundamental. Minha família havia feito a tentativa de trocar de município, mas os planos não se concretizaram conforme desejado.
Nós tivemos que retroceder com o processo de mudança de maneira repentina, o que nos trouxe dificuldades para acharmos vagas em alguma escola. Não lembro com clareza de como as coisas se deram, mas sei que meus pais conseguiram vagas para mim e meu irmão em uma escola particular que atendia a uma classe social economicamente bem superior à nossa.
Era nítido que eu não me ajustava àquele grupo social. Eu não tinha o mesmo poder aquisitivo e nem os hábitos culturais comuns aos colegas. Desconhecia as marcas de roupas usadas, não tinha brinquedos importados e nunca havia ido à Disney...
Para dificultar a questão, à época eu era gordinho, tímido, não sabia jogar futebol e usava óculos de grau alto.
Não demorou muito para eu virar o justificador da superioridade alheia. Sofri muito bullying, em especial de um menino que chamavam de Pajé. Embora fosse bolsista e não correspondesse ao biotipo branco da escola, ele era aceito pela turma sem condições, de maneira bem diferente de mim.
A questão chave é que Pajé era aceito e popular porque era um agressor causador de graça entre os colegas ricos.
Eu nunca soube como era a vida em família de meu colega e nem as condições em que ele vivia, mas sabia que ele era bolsista e nunca tinha saído do Brasil, assim como eu.
Para manter-se respeitado, decidiu perseguir o novato, gorducho que usava óculos fundo-de-garrafa e não sabia jogar futebol...
Mas o que ele não esperava é que eu fosse capaz de reagir. Ele era maior e mais forte do que eu, o que me colocava como alvo perfeito. Entretanto, durante o recreio, reagi de forma intempestiva e violenta. Confrontei-o fisicamente e consegui imobilizá-lo e colocá-lo dentro da lata de lixo da escola.
Aquela vitória não me garantiu o respeito dos colegas, mas me livrou do perseguidor que continuou praticando bullying com outros colegas frágeis.
Não estimulo a violência e conto esta história apenas para exemplificar meu pensamento. Como não fui um alvo passivo e ameacei a pseudo-autoridade do agressor, ganhei seu respeito, ou temor.
Talvez os desrespeitos e exclusões em nossa sociedade não sejam tão evidentes, mas acredito que partilham de uma mesma origem.
Não me atrevo a determinar a compaixão ilimitada como destino para nossa sociedade, embora, se dependesse de mim, este seria nosso destino coletivo!
Mas considero que, se não fôssemos inseguros e imaturos, talvez não tivéssemos a necessidade de agredir, desrespeitar e excluir com tanta frequência.
Não me atrevo a determinar que a compaixão ilimitada surge naturalmente como destino da humanidade à medida que resolvemos nossos problemas de autoestima. Acredito que há outros componentes nesta equação difícil da exclusão e do desrespeito, assim como na equação do futuro da humanidade, mas reconheço os tropeços que surgem na vida em sociedade quando singramos mares de baixa autoestima, de desrespeito e de exclusão.
Talvez possamos apostar na compaixão como ferramenta promotora de fortalecimento da autoestima e de estabelecimento do respeito e da inclusão nas nossas relações sociais, o que definiria tensões relacionais menores e a redução da violência em sociedade; metas aparentemente esperadas por grande parte da população.
Será que devemos caminhar para a compaixão ilimitada?
Por que dirigimos nossas relações em sociedade com desrespeito e falta de inclusão?
Estas foram as duas perguntas que nasceram em meu coração, talvez por forte influência de algumas leituras recentes, entre elas "A classe média no espelho: Sua história, seus sonhos e ilusões" de Jessé Souza.