A mentira é a ação capciosa que visa o proveito imediato de si mesmo, em detrimento dos interesses alheios, e essa criatura é das que mais humilham a personalidade, retardando, por todos os meios a sua própria evolução.
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muita paz
Gosto muito da percepção de que sempre relatamos a realidade a partir de nossos pontos de vista; conforme nossos valores, traumas e julgamentos. Por isso, um relato da realidade nunca é essencialmente verdadeiro. Tais relatos poderiam ser vistos como mentiras?
No senso comum dizemos: "Quem conta um conto aumenta um ponto", revelando que sempre que relatamos algo, colocamos um pouco de nós mesmos no relato.
Talvez precisemos nos despir um pouco deste peso atribuído à mentira para ampliarmos nossas percepções da realidade.
Além da questão do ponto de vista interpretativo da realidade, a mentira pode ser também uma ação imatura de defesa da integridade diante de interesses alheios escusos que se impõe violentamente sobre outros integrantes da sociedade.
Vivemos em um mundo onde precisamos avaliar seriamente o risco da verdade frente às imposições daqueles que possuem os poderes econômico e social, além da força executiva e intencionalidade, recursos que podem se articular de maneiras nefastas e até mesmo letais em alguns casos.
Em sociedades onde não há garantias de direitos e naquelas em que artifícios argumentativos e emocionais são frequentemente usados para manipular o outro sem ética ou escrúpulos, talvez a mentira torne-se a única defesa possível para os mais vulneráveis...
Fora estes aspectos sociais, sociológicos e antropológicos da mentira enquanto ferramenta apoiadora de estratégias de sobrevivências, lembrei da psicanalista Ana Suy. Segundo ela:
"A mentira faz parte da nossa linguagem e mentir é uma das coisas mais sofisticadas que podemos fazer com a linguagem. Não tem como dizer uma verdade última, que exclua em absoluto a mentira, assim como não tem como dizer uma mentira em absoluto que exclua totalmente qualquer relação com a verdade."
O psicanalista Lacan nos diz que a única verdade que podemos dizer é essa: "Eu minto". Também é dele a ideia de que a realidade tem estrutura de ficção.
Reconheço ainda que ações capciosas, capazes de lesar outras pessoas, são frequentemente executadas em nossa sociedade através da imposição de verdades contundentes articuladas de maneira impositiva, insensível, violenta e destrutiva. Neste sentido, talvez a questão principal no estabelecimento da paz, do respeito e da prosperidade da civilização não seja a mentira ou a verdade, mas as intensões com que articulamos nossas estratégias relacionais no mundo.
Mentimos para ter vantagem ou para nos defendermos? Há interesses escusos em nossa articulação? Alguém se prejudica com nossa fala, verdadeira ou mentirosa?
Estas podem ser questões muito mais pertinentes no estabelecimento de certa ética relacional capaz de promover paz e prosperidade.
Frequentemente, diante de uma mentira percebida ou de uma verdade enunciada, me pergunto sobre as nuances relativas pertinentes à questão e sobre os interesses e prejuízos que afetam as partes envolvidas.
Não raro percebo jogos de forças impositivas que não deixam espaço digno para a negativa de uma das partes, jogo que acaba levando à mentira.
Outras tantas vezes percebo que tratamos apenas de pontos de vista e não de mentiras propriamente ditas. Os significados subjetivos e divergentes das palavras usadas, a supressão de informações na comunicação, o desconhecimento do contexto amplo, entre outros fatores, muitas vezes nos levam a interpretar a fala do outro como uma mentira. Visto como mentiroso, o outro entra para o rol dos ingratos, dos criminosos e dos manipuladores em nossos corações mesmo quando não houve intensão da parte dele.
Acredito que, para nos relacionarmos bem em sociedade, precisamos ter uma abertura generosa que receba o outro com suas subjetividades em meio às nossas próprias subjetividades, algo que carece de empenho consciente constante e de boa vontade. Negociar algo em uma relação deve sempre considerar que o outro possui necessidades que também devem ser atendidas e que este outro lutará intensamente para que tal atendimento se dê da melhor maneira possível para ele; mesmo que sejam necessárias mentiras.
Quando nos sentimos seguros, falamos abertamente, sem precisarmos de estratégias relacionais que envolvam a mentira. Mas será que contribuímos com a construção de ambientes relacionais seguros para dialogarmos com o outro sobre o atendimento das necessidades de ambos?
Gosto muito da percepção de que sempre relatamos a realidade a partir de nossos pontos de vista; conforme nossos valores, traumas e julgamentos. Por isso, um relato da realidade nunca é essencialmente verdadeiro. Tais relatos poderiam ser vistos como mentiras?
No senso comum dizemos: "Quem conta um conto aumenta um ponto", revelando que sempre que relatamos algo, colocamos um pouco de nós mesmos no relato.
Talvez precisemos nos despir um pouco deste peso atribuído à mentira para ampliarmos nossas percepções da realidade.