🎼não faça assim🎼
🎼não faça nada por mim🎼.
🎼não vai pensando que eu sou seu🎼.
+307-059
muita paz
Este recorte da música Nada por Mim, de Herbert Vianna e Paula Toller, me levou a uma reflexão sobre as essências das relações que estabelecemos conosco e com o mundo.
Meu coração atravessou diversos campos conhecidos, entre eles algumas técnicas e princípios da comunicação não violenta de Marshall Rosenberg, ideias sobre o amor da psicóloga Ana Suy, algumas ideias dos escritores Fabrício Carpinejar e Daniela Migliari, reflexões do Dalai Lama e da monja Coen, descobertas do espiritualista Allan Kardec, instruções de Jesus narradas no Novo Testamento, conceitos apresentados por Freud e Jung...
Mas aterrisei em terreno desconhecido! Com a mente e o peito cheios de ideias, me dei conta do grande valor que nossa cultura dá à liberdade, valor que tem nos levado, muitas vezes, à idolatria da individualidade e à negação de valores relacionais de longo prazo.
Olhando para este lugar, lembrei que alguns estudiosos nos falam de limitações humanas para a quantidade de relacionamentos significativos que conseguimos manter, enquanto outros nos falam da saga humana para gerarmos identidade e autoridade como influenciadores. Talvez estejamos aprendendo a celebrar a abundância de seguidores e a não lamentarmos lares vazios ou a redução do tamanho das famílias; é como se a quantidade cada vez menor de amigos com quem partilhamos a vida fosse um motivo de orgulho.
Será que relações em que somos alvo de ações de amor, estima e apoio do outro decretam a propriedade deste outro sobre nós? Aceitar algo feito por nós significa que abrimos mão da propriedade sobre nós mesmos?
Perguntado de outra forma, nos tornamos menos autônomos e mais devedores quando acolhemos o que vem do outro endereçado para nós?
Penso que não, mas sinto que sim. Parece que há uma certa necessidade de reconhecimento e reciprocidade que opera como terreno para o estabelecimento das relações!
Allan Kardec enuncia este princípio através de sua descrição das Leis Naturais, Bert Hellinger apresenta como uma das Leis Sistêmicas. Mas é Antoine de Saint-Exupéry, em seu clássico O Pequeno Príncipe, que enuncia esta regra relacional de maneira bela e poética quando nos diz:
"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".
Mas, se por um lado, há fluxos naturais que determinam solidariedade e reciprocidade para estabelecer felicidade, bem-estar e paz quando nos colocamos em relação; por outro lado, há a necessidade urgente de pensarmos sobre sobrevivência, identidade, autonomia e liberdade.
Freud nos revela que há um esforço natural e importante do indivíduo em relação com o mundo. Nós nos relacionamos com o mundo a partir de quem somos, do que aprendemos e da própria necessidade de relação com o mundo.
O ego, segundo Freud, seria a parte da psique humana que busca a conciliação das reivindicações das três instâncias relacionais: O id, o mundo externo e o superego. Penso que seja olhando para este ego que definimos egoísmo, altruísmo, solidariedade, sacrifício, identidade, fraternidade, ganância, ambição, entre outros aspectos humanos.
A dificuldade de aceitar o vínculo com o outro, explorada na citação de hoje, nasce exatamente nesta negociação de fronteiras que gera atitudes e omissões humanas.
Parte da psique humana, o id trata de impulsos e instintos básicos do ser humano que nos acompanham desde os primeiros anos da vida.
Outra parte da psique, o superego, nos fala de valores relacionais, e se constitui prioritariamente através das convivências relacionais que estabelecemos na primeira infância.
O Ego tentaria mediar a relação id e superego para gerar respostas às provocações do mundo, às demandas externas.
Talvez precisemos de um espaço que atenda às nossas necessidades individuais, que atenda ao nosso id; embora reconheçamos que estamos em relação com o mundo e que, por tanto, precisamos negociar limites relacionais.
Ana Suy nos diz que "não existe receita pronta para ser a gente mesmo. Só a gente é o que é. Somos sozinhos nesse sentido". Sobre as relações, ela nos diz ainda: "Sempre amamos sozinhos, pois cada um ama a seu próprio modo, cada um ama com sua história, com seu sintoma, com suas perebas psíquicas, com seus perrengues transgeracionais".
Bert Hellinger, entretanto, nos diz que o amor exige reciprocidade. Ele conclui que há sofrimento quando a relação não pode se estabelecer de forma recíproca e equilibrada, enquanto Allan Kardec sugere a caridade apoiada na regra áurea de Jesus para tratar o tema, "fazer ao outro o que gostaríamos que nos fizessem".
Talvez estejamos escaldados, até mesmo traumatizados, nesta negociação de fronteiras relacionais e, diante de tantas colonizações, sequestros, negações da individualidade e supervalorização do pensamento coletivo.
Talvez só estejamos começando agora, enquanto humanidade, a valorizar o individual e o singular...
Recordo de uma fala atribuída a Henry Ford que me marcou muito neste sentido. "Todos podem escolher a cor de seus carros, desde que seja preta", que refletia um momento de produção capitalista na humanidade em que, para viabilizar grandes produções, era necessário haver pouca ou nenhuma variação.
De certa forma, ainda vivemos tempos de negação da individualidade singular e única. Nossos modelos de relações ainda se pensam muito desta forma! É possível que a negação em receber algo do outro para afirmar a propriedade sobre si seja um reflexo deste diálogo do Ego com a sociedade, em que sentimos a necessidade de dar mais voz e autonomia para o id.
Este recorte da música Nada por Mim, de Herbert Vianna e Paula Toller, me levou a uma reflexão sobre as essências das relações que estabelecemos conosco e com o mundo.